Paz, amor, companheirismo, verdade e o propósito de cada um na vida. Temas absolutamente universais são abordados nessa obra definitiva: Matrix, que além dos três filmes (na verdade um só dividido em três partes), conta também com a animação Animatrix e games. Acabei de saber por uma amiga de origem japonesa da existência de quadrinhos nipônicos dos anos 1930, que serviram de ponto de partida para os geniais irmãos Wachowski, criadores da saga. Ela vai conseguir uma cópia para mim!
Deixando de lado as questões de bastidores, tão fascinantes quanto o próprio conteúdo, quero mergulhar, como tantos já fizeram em suas análises, no que foi dito nas linhas e entrelinhas da obra, que, na minha opinião, traz um paradigma transversal a todo conteúdo: a vida é uma questão de escolha e as escolhas têm, cada uma, um custo.
Os dois primeiros volumes versam mais sobre como o fato do ser humano se conhecer muda completamente sua perspectiva de vida e esse ser humano pode virar, literalmente, outra pessoa. O Oráculo aponta uma placa na parede de sua cozinha em latim que diz "conhece a ti mesmo". Em uma nova visita, Neo olha para essa placa pela segunda vez e percebe que ele "passou a ser" o Escolhido, porque ele decidiu se conhecer. Ele poderia ter decidido o contrário afinal...
No último volume, Revolutions, o confronto final entre Neo e o agente Smith traz um diálogo que dispensa explicações. Um pré-esclarecimento: Neo é uma espécie de anomalia sistêmica da própria Matrix e, portanto, parte integrante dela. Na conversa, enquanto Smith fala sempre no tom de "já ganhou", como aconteceu nos embates dele com as cinco versões anteriores de Neo, ironiza a determinação e persistência do adversário, questionando se a sua motivação seria paz, verdade, liberdade, amor... O programa Smith não conseguia entender aquela equação sem sentido. "Por que continua lutando se você sabe que vai perder?" Neo responde: "Porque é a minha escolha".
Além disso, depois de sua conversa com o tão exato e objetivo Arquiteto, um dos criadores da Matrix, Neo entende que não havia um Escolhido verdadeiramente. Tudo fazia parte do "show" da Matrix, tudo estava previsto no roteiro. Com o perdão do trocadilho, mais motivo para desmotivá-lo.
Entretanto, foi essa a grande sacada da personagem de Keanu Reeves: a vida é uma sucessão de escolhas e uma interminável sequência de perdas e ganhos. Por que desistir no meio da luta? Sempre existe o risco de perder, como deduz-se sobre o que poderia ter acontecido com as outras cinco versões dele. Então ele decide lutar pela sua escolha, porque é a sua escolha. A vida só tem sentido se fizermos escolhas e pagarmos o preço por elas.
O Arquiteto explica que as outras versões não foram tão bem construídas quanto Neo porque não tinham um componente que desequilibra uma equação matemática: o amor, sentimento que naturalmente ele se refere com ar de desdém.
Em outro momento o Oráculo esclarece didaticamente que a falha foi não permitir aos outros Neos terem opções. Resumindo: se você precisa convencer alguém de algo, conceda-lhe o poder da escolha. Só assim o ser humano se sente inteiro e realmente HUMANO. Amar, embora pareça parte integrante do ser humano, por vezes, consciente ou inconsientemente, decidimos não amar. Neo entregou-se a esse fascinante sentimento por Trinity.
Palavras, apenas palavras
Reflexões acessórias transcorrem por toda a obra. O encontro na estação de trem entre Neo e a família indiana (tinha que ser essa etnia!) é de uma beleza surpreendente. O programa Rama-Kandra espera que o trem o conduza ao traficante de informação Meronvíngio para pedir pela vida de sua filha, Sati, resultado da união com a sua
esposa, um outro programa, Kamala. Como todo programa inútil ou ultrapassado deve ser deletado, por amor, ele pretende salvar a sua filha. Neo, incrédulo, diz:
- É que eu nunca...
- ...ouviu um programa falar de amor?, completa o pai.
- Mas é uma emoção humana...
- Não, é apenas uma palavra. O que importa é a conexão que a palavra carrega. Vejo que está amando...- Mais sobressalto de Neo! - Pode me dizer o que faria para manter essa conexão?, dispara Rama.
- Qualquer coisa.
- Então talvez esteja aqui por um motivo não tão diferente do meu.
Mais adiante Rama explica que a sua filinha será deixada aos cuidados do Oráculo, pois não é possível ficar com eles. E Neo não entende como ele encara tão tranquilamente essa separação.
- É o meu carma, esclarece o programa.
- Você acredita em carma?, questiona Neo, mais uma vez surpreso.
- Carma é só uma palavra. Tenho o meu propósito na vida. Tenho a minha esposa e linda filha e muita gratidão por tudo isso, completou Rama com um sorriso tranquilo e suave no rosto.
Ao mesmo tempo, o status das palavras é elevado quando Trinity está nos seus últimos minutos de vida. É a segunda vez que ela morre e é definitiva. A primeira, dentro da Matrix, Neo faz-lhe uma ressuscitação cardíaca, depois de retirar a bala de seu corpo. As suas últimas palavras foram "Sinto muito". "E quando eu percebi o que realmente queria dizer, completa Trinity, já era tarde. Você me deu uma segunda chance e agora quero dizer o que realmente importa: eu o amo tanto e estou muito grata por tudo que vivi com você".
Para tudo na vida, sempre há um caminho do meio... Eu ESCOLHO esse caminho!
Imagens: www.imdb.com
Seu ensaio está ótimo!
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