O filme trata da garota Mattie Ross, que contrata o ex-xerife (ou no caso atual um marshall) mais durão da praça para perseguir o assassino do seu pai. O marshall caolho, Rooster Cogburn, é personificado por um Jeff Bridges bastante impressionante. Junta-se a eles um agente californiano interpretado por um fantasticamente irreconhecível Matt Damon.
Pouco a pouco, o trio vai entrando em território indígena, ou seja, rumo ao perigoso desconhecido, e seus personagens vão deixando a caricatura e começam a se tornar mais humanos, rumo ao perigoso desconhecido de cada alma, com vidas marcadas pelo amargor e decepção. Assim também, as situações, engraçadas do início, vão se tornando cada vez mais assustadoras.
Após vários e cômicos entreveros, a dupla compreende finalmente que a caçada está fria e, para o amargor e decepção da garota, decidem desistir. Mas, eis que, de repente, tudo muda. Ao longo do filme, vamos percebendo que o nojento, violento e beberrão Cogburn é na verdade um homem nobre e terno. A presença progressiva da neve à medida que se encerra o outono e se avança a terras altas, além das grandes paisagens inóspitas, deixa claro o destino cinzento e solitário que aguardará a personagem central, exposta a tamanha violência tão cedo na vida.
Uma crítica apontou que a versão dos Cohen, mais brutal, é muito mais fiel ao livro (True Grit – Charles Portis) que o filme original. A mistura do cômico com o violento é perfeita para os Cohen. Temos ainda a tradicional galeria de tipos histriônicos, trechos de aspecto onírico e o sempre presente tema da infantilidade norte-americana, que, para a dupla de diretores, está relacionada à teimosia e estupidez (stubborness, o nosso “partir para a ignorância”).
Curiosamente, a personagem central, a determinada e ao mesmo tempo pedante garota Mattie Ross, de 14 anos (que não se cansa de oferecer bons advogados a todos, numa sátira à sociedade americana moderna), interpretada por Haille Stainfield, justamente se caracteriza pela precocidade, mas numa inversão apenas aparente do tema. Ela, antes de todos, é a maior personificação desse comportamento teimoso e estúpido.
Assim, a crítica vêm aclamando os irmãos Cohen por terem abandonado, madura e respeitosamente, seu cinismo nesta película, e eu discordo disso profundamente. Ao glorificar esses três personagens teimosos e estúpidos, o grau de cinismo dos diretores atinge uma profundidade inédita, porque ele não está infantilmente explícito. Quando aplaudimos e saímos do cinema satisfeitos com o brio heróico dos personagens, somos exatamente a piada dos Cohen. Ao aprovar o comportamento, assumimos nossa posição.
O faroeste norte-americano já passou por diversas fases, sempre tentando adequar um tema clássico às mudanças da sociedade. Dos filmes de cavalaria do pós-guerra, onde o inimigo era o índio, passando pelo faroeste sentimental, depois o psicológico, sendo provavelmente a mais recente tentativa Brokeback Mountain, o cowboy gay.
True Grit vem da fase mais sentimental e humana, e gira em torno da figura do lone ranger, o cowboy solitário e sem patrão, que vaga pelo imenso oeste onde a ordem não é institucionalizada. Outro clássico desse gênero, mas bem mais “bangue bangue“ é Sete Homens e Um Destino (The Magnificent Seven, John Sturgess, 1960, com Steve McQueen, Yul Brynner, James Coburn e Charles Bronson!...), a história dos sete pistoleiros que se reúnem para defender agricultores familiares dos ataques dos latifundiários.
Curiosamente, tanto a figura do lone ranger como o filme Sete Homens têm uma inspiração direta na mitologia do cinema japonês, se Quentin Tarantino acha que esse diálogo é coisa nova. O lone ranger está ligado à figura do rônin, o samurai que teve sua casa feudal destruída e é obrigado a perambular sozinho pelo país, sem patrão. E Sete Homens é uma adaptação da obra Os Sete Samurais (Shichinin no Samurai, de Akira Kurosawa, 1954, com Toshiro Mifune, o “John Wayne japonês”).
Texto de Nelson Doy Jr., publicitário, mora no Rio de Janeiro e é o crítico de cinema "oficial" deste humilde blog.
Imagens: www.imdb.com
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