A noite boêmia da cidade está de luto. Não haverá mais a figura de um Carlito se equilibrando entre a alegria e a melancolia, sobre as rodas de uma antiga bicicleta. Nunca mais será visto pelas noites da cidade, aquele personagem de si mesmo, cuspindo fogo como um dragão mambembe que tentava espantar a solidão e atrair um pouco de atenção, em troca de uns trocados. O artista de rua, melhor seria dizer de bares, que se vestia de Chaplin está morto desde o dia quatro. Sua arte não foi capaz de conter os dez tiros de revólver que lhe deram, após mais uma noite de jornada.
Diariamente aquele Carlito soteropolitano exibia sua performance de clown noturno e solitário. Um equilíbrio circense instável, feito de piruetas esperadas com patins ou skate e o gran finale no papel do homem que cospe fogo.
Terminado o espetáculo, ele derramava sobre os frequentadores o seu olhar indecifrável que escondia múltiplos sentimentos. Com o seu chapéu-coco pedia o reconhecimento em forma de algum dinheiro para subsistência artística.
Tudo nele parecia incompleto. O malabarismo, a maquiagem, o figurino, tudo. E residia aí sua graça, a nos lembrar do Carlito real, criado por Charles Chaplin, que ousou inserir um antagonista como principal personagem de um cinema em busca de afirmação como arte.
Assim também era o nosso Chaplin, com seu grito característico, avisando aos boêmios que dessem uma pausa na cerveja, ou nas conversas etílicas que resolvem todos os problemas do mundo, para dispensar um fragmento de tempo e vê-lo desafiar Isaac Newton e a Lei da Gravidade, no picadeiro de asfalto urbano.
Ao morrer, as páginas policiais desvendaram sua identidade chamando-o de Gildenor Ferreira de Oliveira, 54 anos. Disseram também que o motivo da chacina fora uma vingança de traficantes porque aquele Chaplin ousou ensinar sua arte para tirar meninos do território das drogas. No limiar de uma nova década do século XXI, a combinação de arte e educação ainda provoca instabilidade e medo em quem faz da bala e da violência sua própria lei.
Os tiros provocaram uma morte múltipla. De uma só vez foram extintos Chaplin, Carlito e Gildenor. A arte de rua, os meninos do seu projeto e as noites de Salvador estarão mais tristes a partir de agora.
* Texto do jornalista Alberto Freire, que, como eu, vai lembrar sempre do Chaplin soteropolitano como o mais verdadeiro e puro espírito Lado B.
Foto: arquivo Alberto Freire
Desculpe-me, mas hj o meu comentario é de solidariedade ao nosso inesquecivel"Charles Chaplin Gildenor". Já gostava dele pelos seus gritos nas noites boemias, p suas caras e bocas, agora entao, sabendo d suas "travessuras culturais" com meninos de rua :-) (...)momento de oracao..."sorri, vai mentindo a sua dor e ao notar e que tu sorris, todo mundo ira supor, que és feliz"...
ResponderExcluirQue nosso Senhor do Bonfim estaja com ele!!!
Parabéns pelo "lado B" e um Feliz Ano Novo!!!
Munique, 07.01.2010
Dey Brizzo, cantora e compositora baiana :-(
Olá!
ResponderExcluirComo amiga babada de Betão, não posso ficar indiferente a uma sugestão de tão boa leitura. Que bom que posso conhecer o Lado B da minha cidade, através dos seus posts!
Ficarei visitante assídua!
Beijo grande
Letícia Gabian (uma Soteropolitana, que agora vive em Portugal...Ah, já fui cantora do Aconchego da Zuzu, por quatro anos inesquecíveis...Saudade!!!!!)