Esta crítica foi enviada para mim por Nelson Doy on time, ou seja, enquanto o filme ainda estava em cartaz. Mas, por vários motivos, acebei não publicando. Desculpa aí, Nelsão, e desculpa aí amigos do Lado B.
"Pina, de Win Wenders (2011). Nunca entendi muito a dança contemporânea, mas Pina Bausch em pessoa me explica que a dança começa exatamente aí mesmo, onde terminam as palavras, ou a possibilidade das palavras. Palavras evocam coisas, mas quando se entra no campo onde as palavras não alcançam, não existem mais coisas nítidas e bem definidas: existe apenas uma vaga noção de sentimentos, emoções e pensamentos.
A partir daí você deixa de questionar os movimentos corporais e passa a apreciar apenas o efeito visual desses movimentos, deixa de pensar ou raciocinar e aí começa a fruição da dança contemporânea. E numa próxima etapa, começa a perceber sensações exprimidas pelos movimentos. O trabalho de Pina demonstrado no filme impressiona pelos dois lados: a vivacidade rítmica, rica, criativa, intensa, mas meramente visual, e as recorrentes sensações de angústia e vazio.
Essas sensações estariam relacionadas com o objeto central da alma humana, segundo Pina, que é a eterna busca, o desejo. Objetivos que movem o ser humano nada mais são que uma camuflagem para justificar e direcionar um insaciável estado de desejo, profundo e permanente, que provém do vazio e resulta em eterna angústia.
O filme deveria ser um documentário sobre o trabalho da aclamada e revolucionária coreógrafa Phillipine Bausch, a Pina, mas com sua morte repentina em 2009, aos precoces 68 anos, se tornou um tributo.
Dirigida por outro aclamado alemão, Wim Wenders, o filme intercala o registro de algumas importantes coreografias, com depoimentos e comentários dos integrantes da sua companhia, o Tanztheater Wuppertal. A cada depoimento, segue se uma coreografia criada pelo depoente especialmente para o filme, executada em espaços públicos de Wuppertal, cidade sede da companhia. As coreografias expressam a individualidade dos integrantes de maneira mágica, com um encanto fascinante que não cansa e surpreende a cada novo. Assim descobrimos um dos segredos de seu sucesso: cada integrante da companhia tem um potencial criativo e técnico magnífico, o que estimulava Pina a criar e produzir em conjunto com eles.
Os depoimentos são falados na língua natal de cada um. Há de todas as nacionalidades, com destaque para espanhóis, italianos, alemães, sim, mas ainda japoneses, chineses e uma brasileira, entre outros. Descobrimos para surpresa que muitos chegaram tímidos. Pessoas retraídas, incapazes de falar, mas que na dança cresceram e se expandiram de forma intensa e gigantesca. Compreende-se ainda mais da forma de trabalho de Pina, na maioria das vezes absolutamente lacônica, mas sempre estimulante. Lua, pediu ela a um candidato, e lua ele dançou. Não era a figuração da lua obviamente, mas o sentimento de lua que deveria dançar.
O efeito tridimensional poderia ser dispensado na maioria das cenas, mas é inquestionável que em muitas delas traz mais vida. E vida, a intensidade da vida, é justamente a essência do filme. Filmado a dez metros de distância, vemos a expressão da dança no corpo de bailarinos. Filmado a dois metros de distância, vemos a expressão da dança fluindo pelo corpo de cada bailarino. E filmado a vinte centímetros de distância, vemos a expressão da dança fluindo pela boca, olhos, testa e dentes do bailarino.
Compreende-se finalmente que a dança ocorre na alma daquela pessoa. Não é possível a dança sem antes a encarnação do sentimento. Pina relata sobre Café Müller, onde a coreografia é toda executada de olhos fechados. Mesmo de olhos fechados, somente dirigir o olhar cego para baixo ou para cima, por exemplo, no momento adequado, atingia a sensação interna correta para o correto bailar externo.
Com a ausência de Pina no Tanztheater, o filme serve muito como uma peça de divulgação. Uma companhia de altíssima qualidade e com até 20 anos de casa, está órfã, em busca de um novo diretor. Não chega a ser especialmente citado Agua, seu último grande trabalho, totalmente inspirado na sua passagem pelo Brasil, mas Caetano Veloso, seu interlocutor no país está lá na forma de Leãozinho, coreografado por um dos principais bailarinos do corpo.
São duas horas de filme que passam com uma leveza supreendente. A pungência bauschiana é pesada, densa, expressionistamente alemã. Mas o entremeio com esquetes dos bailarinos, tão lúdicas, são brincadeiras de criança executadas com um virtuosismo de precisão alemã, sobre uma variedade de músicas, da MPB até temas eletrônicos. Logo na primeira cena você diz: ih, é dança contemporânea. Mas ao final, sai sabendo apreciar um pouco mais o gênero. Uma verdadeira aula. Com Pina Bausch."
Texto: Nelson Doy, eleito por mim como crítico de cinema oficial deste blog, um paulista-carioca-já-abaianado retado!
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