O
mais recente filme de Wood Allen Para
Roma com Amor amplia a geografia cultural e cinematográfica que o diretor
americano vem traçando nos últimos tempos, após revelar as entranhas de Nova
York por meio de suas histórias, conflitos e personagens nada lineares. No
elenco estão, além do próprio diretor, Alec Baldwin, Roberto Benigni, Penélope
Cruz, Judy Davis, Jesse Eisenberg, Greta Gerwig e Ellen Page.
Este
longa é dividido em quatro histórias que não se cruzam, vividas em Roma. Em um
delas, um casal americano (Woody Allen e Judy Davis) vai à cidade para conhecer
a família do noivo italiano de sua filha. Outra história traz Leopoldo (Roberto
Benigni), um homem comum que é confundido com uma celebridade pela mídia. O
terceiro episódio apresenta um arquiteto americano (Alec Baldwin) que visita Roma
e suas memórias afetivas da juventude. O último traz dois jovens recém-casados
que se perdem pelas ruas de Roma e uma garota de programa Ana (Penélope Cruz)
se insere entre eles.
Logo na abertura Woody Allen fascina o olhar do espectador com imagens da bela cidade, com uma trilha sonora que revela a singularidade da música italiana. Este inicial passeio cinematográfico é acompanhado pela canção Nel blu dipinto di blu (Volare), de Domenico Modugno. Eis a magia do cinema, que Allen explora de forma muito apropriada, como já fizera na abertura de Meia Noite em Paris.
As marcas registradas do diretor estão perfeitamente identificadas no filme. O embate entre o pensamento de esquerda com o mais tradicional capitalismo americano apresenta Allen, ator e diretor, com seu humor ferino e mordaz. Nesta história o nonsense também se faz presente com um cantor de ópera que só consegue se exibir debaixo do chuveiro, mesmo em teatros e para plateias de elite.
A ironia com a mídia lança luzes sobre um Roberto Benigni no papel de funcionário burocrata e comum que se transforma em celebridade imediata, sem nenhum atributo que se justifique. As perguntas dos repórteres e a respostas do novo e improvável pop star radicalizam o vazio de conteúdo que sustentam os programas televisivos que gravitam em torno do mundo glamoroso das sub-celebridades midiáticas, construídas e descartadas com a mesma velocidade e intensidade.
Nas
outras histórias que se guiam pelo fio condutor do cotidiano dos
relacionamentos, Woody Allen se reinventa. Como em outros filmes, ele expõe os
personagens às dúvidas sobre o significado existencial, as neuroses, os
conflitos interiores e os desejos explícitos ou sublimados por convenções
sociais. Tudo com o humor e a leveza tão apropriados para tratar destes temas. Nestas
fábulas o espectador ri muito, mas não sabe se ri dos personagens na tela, do
vizinho da poltrona ao lado, ou de si mesmo.
A
cidade de Roma já foi cenário de importantes filmes, em especial nas obras de
Federico Fellini e os neo-realistas italianos do pós-guerra, que mostraram ao
mundo que a deficiência de recursos poderia ser apropriada como importante
elemento estético e narrativo. Woody Allen opta por expor uma Roma não apenas
como uma paisagem de beleza e encantamentos naturais, históricos e
arquitetônicos. A câmera registra tudo isso emoldurado pela cultura e o modo de
vida local. No filme, o simples ato de ensinar um endereço à recém-casada
perdida na cidade revela um pouco do cotidiano de uma população que se
movimenta num trânsito que tem muita singularidade urbana no modo de dirigir. E
Allen não deixa isso de fora do filme.
A
produção recente de Woody Allen está no processo de consolidação de uma
cartografia afetiva pelas cidades da Europa. Após esquadrinhar o território de
Nova York por vários anos, com a sutileza do olhar de quem a ele pertence,
Allen faz agora a construção de um certo atlas cinematográfico. Depois de
filmar “Match Point”, em Londres, “Vick Cristina
Barcelona”, "Meia Noite em Paris” e agora “Para Roma com Amor”, ao sair do
cinema uma pergunta se impõe. Qual será o próximo destino?
Texto: Alberto Freire é jornalista e doutor em cultura e sociedade (Ufba)
Imagens: IMDb.com
Ótimo! É um prazer ler um comentário inteligente e especializado antes de assistir o filme. Abraço forte, Cristina, saudades!
ResponderExcluirAldir.