Crédito desta foto: eu mesma inspiradíssima...

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30 de mai. de 2010

Cinematografando: O Oráculo, de volta ao Olimpo*




O que Terry Gilliam tem de melhor está reunido no baú de O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus (2009). A questão do anacronismo, o sonho, a desilusão, a decadência e o medo da morte. E acima de tudo, o seu intenso surrealismo visual. Ótimo entrar em cartaz ao lado de Alice. Em pouquíssimas salas, parece assim, exatamente, uma nesga sombria sob o mundoróseo púbere de Alice. O pesadelo de Dr. Parnassus é a Alice que Tim Burton gostaria de ter realizado, não estivesse ele acorrentado pelos pés ao sonho disneyano.



O filme conta a saga de Parnassus, um homem que fez um pacto com o diabo em busca de longevidade e juventude para conquistar sua amada. Mas o preço é muito alto e ele torna a repetir o contrato para manter o objeto da aposta. Parnassus roda o mundo com sua filha e uma trupe mambembe em seu decadente freak show medieval, oferecendo ao público a oportunidade fantástica de penetrarem em seu mundo imaginário. Atravessando um espelho aliceano, os curiosos recrutados são deparados com seus próprios sonhos materializados em technicolor 3D. Durante alguns minutos, cada um vive seu próprio País das Maravilhas e, encantados, ficam prontos para renderem suas almas.



Em busca de um sonho, Parnassus acabou preso a um pesadelo sem fim, ganhando uma alma imortal que se exaure desta rotina eterna. Aos curiosos, promete um mundo de sonhos que pode prendê-los como um pesadelo. Uma espiral repetitiva de ilusões e desilusões, portanto, forma o esqueleto de toda a trama. Mais do que uma crítica explícita ao "consumismo" propriamente, Terry Gilliam versa neste filme sobre o apego e a necessidade do desapego.



Consumismo vem na esteira, como uma forma de apego, o apego a sonhos, apego ao que ainda não se tem. Tema já de Munchausen e, provavelmente presente em quase todos os seus filmes incluindo roteiros de Monty Python, o personagem principal aqui é preso à lembrança de uma época de sua vida. E nesse apego leva pessoas ao fundo de seu mar. O final feliz trata exatamente de aprender a se desapegar de tristezas, sonhos, amores e aparências. Assim, o tempo volta a fluir normalmente.

O filme carrega ainda a pecha da maldição. Ao ator Heather Ledger se prometiam favorabilíssimos oráculos parnasianos, mas eis que como Fausto, teve sua alma clamada tão logo avistara o sucesso. E é o filme de retorno e redenção do próprio Gillian, que estivera no purgatório após o fabuloso desastre da fracassada produção de Don Quixote. Em cinco dias de filmagem, cinco desastres se abateram sobre a produção, que simplesmente levaram financiadores e seguradoras a suspenderem o projeto. O episódio todo pode ser visto no documentário Lost in La Mancha, o making of editado. Durante mais de cinco anos, foi obrigado a vender sua maravilhosa alma autoral e dirigir roteiros minimamente decentes para seu calado, como a aventura adolescente Irmãos Grimm (onde conheceu Ledger).


Felizmente, Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel, amigos pessoais do ator, se encarregaram de concluir as filmagens substituindo alternadamente Ledger. As trocas de atores não afetam nem um pouco o andamento do roteiro, que foi levemente adaptado para aceitar essas mudanças. Lily Colle, que interpreta Valentina, a filha de Parnassus, chama atenção pela beleza exótica. Mas quem rouba a cena é Tom Waits, que interpreta há mais de mil anos um único personagem chamado Tom Waits, mas perfeito ao papel.



* por Nelson Doy Jr. é publicitário, mora no Rio, mas volta e meia curte o Lado B de Salvador, quase sempre ciceroneado por essa blogueira que vos fala.

Imagens: www.imdb.com

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